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Zuzu Angel: a marca da história brasileira

labjornalismo7h

Há cinquenta anos Zuzu Angel apresentava sua coleção International Dateline Collection IV no Hotel Gotham, em New York. Intitulada The Helpless Angel (O Anjo indefeso), Zuzu continuava a protestar contra a morte de Stuart, depois de enviar inúmeras cartas e bilhetes endereçadas a parlamentares e autoridades. Meses antes, no dia 13 de setembro de 1971, também em New York, a estilista realizava seu primeiro desfile após a morte de Stuart.


Aquela não foi a primeira vez que a estilista usou sua arte como plataforma política. "A moda dela era um espaço para falar do Brasil, Zuzu utilizava um repertório que não era comum na época. No momento da ascensão das boutiques e do movimento hippie, a moda buscava a negação do sistema industrial. Zuzu traduziu esse discurso usando a temática brasileira, com rendas do Nordeste e personagens da cultura nordestina. A moda de Zuzu já era política porque expressava a identidade brasileira no vestuário". Em entrevista, Silvia Helena Soares, professora de História da Indumentária da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) fala sobre a manifestação política presente nas criações de Zuzu e como seu trabalho foi marcante na história brasileira. "Falar de Zuzu, é falar de brasilidade. Ela sempre falou do Brasil, e depois de 1971 continuou, porém denunciando crimes que disparavam a população" completa.


Aquele dia, modelos usavam peças bordadas com anjos chorando, tanques, palhaços vestidos de militares e grades que representavam a opressão e brutalidade da ditadura militar (1964-1985). Ao som do samba Tristeza de Haroldo Lobo e Niltinho, Zuzu Angel distribuía panfletos com a imagem de Stuart.

No Brasil, por conta da censura, o desfile-protesto foi documentado pela imprensa como uma coleção inspirada em livros infantis. O objetivo do regime militar era apagar a relevância do ato de Zuzu Angel.

Após quatro meses depois do desfile de 1972, no dia 23 de maio, Zuzu recebeu um bilhete anônimo. Em 2014, na Comissão Nacional da Verdade, o autor da carta e ex-militante preso Alex Polari, descreve as torturas e o momento da morte de Stuart. O documento disponível no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, relata detalhadamente o momento que Stuart foi levado para o Centro de Informações da Aeronáutica. "Stuart, quando caiu, portava uma calça verde-garrafa, camisa clara e um casaco bege. Foi colocado em um porta-malas de um Opala amarelo com teto de vinil preto e levado para a Base Aérea do Galeão, onde se localiza o CISA. Não me levaram juntamente com ele, pois passei o resto da manhã e boa parte da tarde sendo levado aos locais de outros encontros fictícios, no término dos quais retornei novamente ao “Paraíso” (nome-código do CISA) ao entardecer, indo direto para a sala de tortura no andar térreo".




Anos mais tarde, Zuzu conseguiu documentos que provaram a morte de seu filho pelo Estado Brasileiro. A partir disso, Zuleika envia uma carta alertando a amigos que poderia ter o mesmo destino do filho. Em abril de 1975, durante uma visita à casa do jornalista Zuenir Ventura, grande amigo da família, Zuzu entrega um bilhete que dizia " Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho". Disponível no Instituto Zuzu Angel, o bilhete destinado a Zuenir faz parte das dezenas de cartas escritas por Zuzu para seus amigos, como o compositor Chico Buarque e o dramaturgo Paulo Pontes.

No dia 13 de abril de 1976, Zuzu trabalhou o dia inteiro em sua loja no Leblon, Zona Sul do Rio. A estilista estava desenvolvendo uma coleção que seria apresentada em New York, naquele mesmo ano. Mais tarde, Zuzu ainda iria em um jantar na casa da sua amiga, Lucinha de Andrade Vieira, em Copacabana. No evento Zuleika vestia preto, uma peça de luto. Por volta das 3h30, ao voltar para casa, na Barra da Tijuca. Zuzu sofre uma tragédia, seu carro capota no Túnel Dois Irmãos, em São Conrado.

Por anos a morte de Zuzu Angel foi um mistério. Imagens do carro destruído, depois da tragédia, foram capas de jornais na época. Muitos acreditavam na hipótese de um acidente de carro comum, outros que Zuzu tinha ingerido bebida alcoólica antes de dirigir. Uma outra versão acreditava que Zuzu tinha dormido no volante durante o trajeto. E outra que Zuzu tinha sofrido infarto enquanto dirigia.

Entretanto, essa história muda, em 1998, quando a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos reconhece sua morte como um atentado político relacionado à morte de Stuart.

Há exatos dez anos a Comissão Nacional da Verdade iniciava seus trabalhos para apurar os crimes cometidos por militares durante a Ditadura Militar (1964-1985). Entre 2012 a 2014 foram colhidos 1.120 depoimentos, produzidos 21 laudos periciais e feitas 80 audiências públicas que investigaram as violações humanas feitas por militares no período da ditadura. 191 mortos e 243 desaparecidos.

"O trabalho foi árduo porque mexemos em arquivos de memórias pessoais e físicas que estavam adormecidos ou escondidos. As comissões da Verdade deram voz a esse silenciamento da memória. Em entrevista, Nadine Borges, ex-assessora da Comissão Nacional da Verdade, comenta sobre a dificuldade de buscar dados sobre o período. Durante o relato, Nadine falou sobre a omissão dos governos em relação aos casos da ditadura. "Chamou muita atenção a omissão dos governos desde a democratização em não exigir respostas das Forças Armadas, o que não nos permitiu ter acesso aos arquivos das Forças Armadas para identificar a cadeia de comando de tantos crimes".

Segundo o relatório disponível no Arquivo, Zuzu teria sido jogada para fora da pista por um carro pilotado por agentes da ditadura no Túnel Dois Irmãos, atual Túnel Zuzu Angel.


Cláudio Antônio Guerra, ex-agente da repressão, relatou a participação dos militares neste e em outros assassinatos no livro Memórias de uma guerra suja.

Novas certidões de óbito em nome de Zuzu e do seu filho Stuart. No documento disponível, a causa da morte de Zuzu e Stuart foi reconhecida como "morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro". As declarações oficiais foram emitidas pela procuradora Eugênia Gonzaga, quando presidia a Comissão Especial, antes ser afastada pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019, sob alegação de que “agora o governo é de direita”.

Assim como Zuzu lutou para receber respostas sobre Stuart, as filhas também lutam para provar que sua mãe não morreu de um suposto acidente. Quarenta e cinco anos depois da morte de Zuzu, em julho de 2020, a Justiça brasileira reconheceu que Zuzu Angel foi assassinada por agentes da ditadura militar.

Nascida em Curvelo, Minas Gerais, no dia 5 de junho de 1921. Zuzu começou a trabalhar como costureira para amigas, na Fundação Pioneiras Sociais. Em 1943, Zuzu se casou com o norte-americano Norman Angel Jones, funcionário do governo dos Estados Unidos, com quem teve três filhos, Stuart Stuart Edgar Jones, que nasceu em 1947, Hildegard Beatriz, de 1949 e Ana Cristina, de 1952. Depois de um período em Salvador, se mudou para o Rio, e montou seu primeiro atelier. Nele, Zuzu começou a costurar saias para a vizinhança de Ipanema. Quatro anos mais tarde, em 1960, ela se separa do marido. Durante seus anos de carreira Zuzu Angel, foi a estilista de moda brasileira que mais teve impacto na história do país. A costureira, como preferia ser chamada, deixou um grande legado, não só para história da moda brasileira, mas também na luta contra as barbaridades cometidas por militares na ditadura militar.

Símbolo de coragem e resistência, Zuzu Angel lutou até a morte para denunciar as crueldades da ditadura e descobrir o paradeiro do corpo de Stuart. Com o único pedido, ter direito de enterrar o próprio filho que foi torturado e brutalmente assassinado por militares. "Sua coragem ao colocar o dedo na ferida merece um olhar atento nos dias atuais. O envolvimento com uma causa que escapou do caráter singular pelo desaparecimento do seu filho e teve um desdobramento de uma reação em nome de uma coletividade. É comum vermos mães liderarem a luta após os desaparecimentos dos seus filhos e isso é uma luta permanente para enfrentar o comando de esquecimento imposto pelo Estado. Zuzu Angel pode ser considerada uma precursora dessa resistência das mães que não se calam" diz Nadine.




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