Arquivo guarda registros de Rondon, pioneiro na defesa da causa indígena
- labjornalismo7h
- 21 de jun. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de jun. de 2022
Por Lorena Altomar e Pedro Coelho.

Marechal Rondon cercado e querido pelos índios. /Fonte: Acervo Museu do Índio
A invasão promovida por garimpeiros, em abril de 2022, às terras Yanomami em Roraima oferece a oportunidade de conhecer a trajetória da primeira voz a denunciar o problema no Brasil. Está guardado no Arquivo Nacional, no Rio, o acervo dos registros feitos por Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, descendente de índios Bororo, Terena e Guaná, pioneiro defensor da causa indígena e primeiro chefe do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), embrião da Funai. Rondon sempre levava uma equipe para registrar suas expedições em filmes e fotografias.
Responsável por expedições que desbravaram principalmente a região norte do país, Rondon contava sempre com uma equipe com câmera na mão para capturar suas aventuras. Pioneiro em filmagens, foi uma das primeiras figuras públicas no Brasil a utilizar assessoria de imprensa. O time de jornalistas era responsável por divulgar o material coletado nas viagens e pequenas atualizações das jornadas de Rondon nos veículos de comunicação. “Ele gostava de registrar tudo, fazia relatórios, inclusive incluía os sons que escutava pelo caminho; o trabalho do Rondon revelou o Brasil aos brasileiros”, como conta o autor do livro “Caminho de Rondon”, Julio Olivar. Dessa forma, conseguia aprovação pública para seguir com as instalações do telégrafo.
Descrito pelo jornalista especialista em questões indígenas Daniel Biasetto, como “um obcecado por tornar o Brasil um país comunicável”, Rondon tinha como um dos principais projetos de vida instalar linhas telegráficas que ligassem o Brasil inteiro. Áreas eram ainda desconhecidas, e algumas delas ocupadas por povos originários que tinham uma relação de agressividade com o restante da sociedade.
Para adentrar os territórios era necessário apaziguar os indígenas, Rondon tomou uma flechada e, mesmo ferido, ordenou que sua tropa não os atacasse. Foi quando pronunciou uma de suas falas mais conhecidas: “Morrer se preciso for, matar jamais”. Recuou o avanço, retornou com uma expedição tomada por uma política de aproximação através de trocas. Deixava mantimentos e pegava recursos da natureza coletados pelos povos do local. Assim construiu uma relação próxima com os índios.

Rondon com oficiais da Comissão de Linhas Telegráficas de Mato Grosso. Fonte: Acervo do Museu do Índio/FUNAI -Brasil.
Responsável direto pela criação do Sistema de Proteção aos Índios (SPI), futuramente a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Rondon deixou um legado de respeito ao espaço e vida dos indígenas. “As lições colhidas por Rondon em seus 40 mil quilômetros pelo Brasil não foram aprendidas pelo atual governo”, como disse o jornalista Larry Rohter.
O governo de Jair Bolsonaro transferiu a demarcação das terras indígenas para o Ministério da Agricultura e extinguiu a Secretaria de Mudanças Climáticas. Além disso, o Presidente defende a liberação de atividades de mineração e agropecuária dentro de reservas e a concessão de parques nacionais à iniciativa privada. “As medidas apresentam mais risco do que vantagem monetária”, opinou o ambientalista e indígena Ailton Krenak.
Com suas expedições e os registros de viagens, Rondon chamou a atenção de figuras relevantes no cenário da política internacional. O Rei da Bélgica à época, Alberto, veio para o Brasil exclusivamente para conhecer o Marechal. Essa fama toda se deu muito devido a uma aventura junto com o ex-presidente estadunidense Theodore Roosevelt. O ex-mandatário norte-americano tinha vontade de fazer uma exploração pelo país, e Rondon, foi o recomendado pelo governo brasileiro para o auxiliar nessa missão.

Theodore Roosevelt, Rondon e membros da equipe posam diante do marco do rio que leva o nome do ex-presidente americano. – Divulgação/Museu do Índio/Funai /
Registros cartográficos, fotográficos e de filmes, resultaram numa viagem com a descoberta de um novo rio importante e um documentário que gerou repercussão internacional. Conhecido como Rio da Dúvida, na Amazônia, não possuía nenhuma marcação em mapas e foi a principal descoberta dos viajantes. Em abril de 1914 encontraram a foz, e como forma de homenagem, recebeu o nome do ex-presidente, e hoje é conhecido como Rio Roosevelt.
Com uma carreira dentro do exército, Rondon usou seu espaço como militar de alta patente para lutar por causas diferentes da época, além de possuir outra linha de pensamento:
– Ele não era padrão que existia na elite do exército naquele momento. Se envolveu com o positivismo (corrente filosófica que aposta na ordem e ciência para a obtenção de um progresso social), que se baseava no iluminismo. Criou uma tradição no exército brasileiro de respeitar os índios, diferente do que acontecia no exército nos Estados Unidos, modelo para as forças armadas brasileiras. – disse o jornalista Ricardo Lessa.
Por conta de todo reconhecimento, o Marechal estava cotado para receber o Prêmio Nobel da Paz, mas morreu um ano antes de receber a indicação, em 1958. Outra honraria que passou pelo caminho de Rondon foi a medalha David Livingstone, entregue pela Sociedade Geográfica Americana. O brasileiro recebeu a consagração por ter sido bem falado por Roosevelt nos Estados Unidos.
“Um cara muito focado e destemido, a frente do tempo dele, era um grande pacifista, considerado por muitos como uma espécie de Gandhi brasileiro”, opinou Daniel Biasetto. Visões como essa foram construídas em torno de Rondon após seus feitos e, principalmente, com relação aos povos indígenas. “Viva a pátria”, essas foram as últimas palavras de Rondon, um apaixonado por seu país.
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