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Documentos do Arquivo Nacional apontam adesão de índios cearenses à Confederação do Equador

labjornalismo7h

Atualizado: 29 de jun. de 2022

Por: João Gabriel Mancuso

Correspondência encontradas no Arquivo Nacional entre aldeias indígenas e o presidente da província do Ceará no começo do Império, Tristão Gonçalves, evidenciam a participação dos índios cearenses na Confederação do Equador de 1824. Como conta o pesquisador e professor de história do Instituto Federal do Piauí (IFPI), João Paulo Peixoto, o apoio ao movimento foi um ato inédito de oposição a monarquia, que era apoiada pela maioria da população nativa do Brasil.

A Confederação foi a primeira revolta de caráter republicano e separatista em um Brasil independente de Portugal. Ela surgiu em julho de 1824 em Pernambuco e teve também a participação dos governos do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. O principal motivo para a rebelião eram as ações centralizadoras e autoritárias do regime de Dom Pedro I, que tiravam a autonomia das províncias.

Na época, a recém-formada Coroa brasileira enxergava os povos indígenas como aliados, mas por um breve período no Ceará essa máxima não se concretizou.

A proximidade entre os dois era baseada em prerrogativas antigas, conquistas ainda na época da colônia e que garantiam terra e liberdade para os nativos. Contudo, com o fortalecimento das elites liberais de Fortaleza, que tinham interesses nas propriedades e na mão de obra desses povos, e dentro de um contexto de ruptura com a Independência do Brasil, esses direitos se viam ameaçados.

Quando um grupo político do interior do Ceará destituiu o governo da capital no fim de 1822 e assumiu o comando da província, a aproximação com os indígenas foi imediata. João Paulo Peixoto conta que a partir da rejeição mútua pelas elites de Fortaleza, se construiu uma relação de intimidade entre os dois blocos.

-Por compartilharem inimigos comum, esses novos governantes se aliaram aos indígenas, cuja proximidade e reciprocidade se fortaleceram nos meses seguintes. Era ao lado desses novos líderes, notavelmente Tristão Gonçalves e José Pereira Filgueiras, que os indígenas tinham segurança na manutenção de suas prerrogativas e ao compartilhar princípios liberais que não as ameaçasse- diz o pesquisador que é especialista em história indígena.


Conflitos entre província e Império


De início, Tristão Gonçalves também apoiava a monarquia brasileira, mas logo houve o rompimento. Em ofício enviado aos diretores de vilas indígenas em maio de 1824, alguns meses antes da Confederação, e encontrada hoje no Arquivo Nacional, o governador fazia uma defesa à liberdade e pedia para que os povos nativos estivessem prontos para o combate, mas ainda sem citar o Imperador.

Em outro documento enviado a lideranças da aldeia de Arronches, em julho do mesmo ano, o tom era mais direto. Tristão dizia que apoiar o projeto da Constituição de 1824, outorgada por Dom Pedro I, seria se sujeitar a escravidão. A carta magna do Império dava ao monarca amplo domínio sobre todas as instituições do Estado brasileiro por meio do poder moderador.

João Paulo Peixoto afirma que, em meio a este cenário, os índios cearenses preferiram apoiar os líderes locais, em uma oposição rara na história indígena do Brasil à monarquia.

-Quando os governantes (cearenses) passaram a se contrapor ao Imperador como resposta à imposição de uma nova Constituição, ao famigerado poder moderador e à nomeação de um presidente da província, os indígenas tenderam a se posicionar juntos às alianças mais próximas. Foi uma decisão pragmática e calcada na realidade, os líderes provinciais eram mais conexos deles do que de Dom Pedro I. Mas o mais importante: pareciam dar mais garantias da manutenção ou, perspectivas de ampliação de seus direitos- conta o professor do IFPI.

A ruptura definitiva do governo cearense com o Império se deu a partir da adesão da província à Confederação do Equador em agosto de 24. Segundo o historiador, a ata do documento que sacramentou esta decisão contava com a assinatura de pelo menos quatro líderes indígenas.

Em uma reprodução do documento presente no Arquivo Nacional, dois desses nomes podem ser encontrados: Vitorino Correa da Silva “Parangaba”, capitão-mor de Arronches, e João da Costa da Anunciação, sargento-mor da aldeia de Vila Viçosa.


Foto: Arquivo Nacional

Fim da Confederação


Todavia, o movimento separatista no Nordeste foi derrotado em menos de um ano pelas forças imperais. Segundo o mestre em história pela PUC-Rio Lucas Santos, a repressão violenta imposta pelo governo brasileiro e a rejeição de uma parte das elites nas províncias participantes levaram à derrocada do movimento.

Além disso, o historiador cita a falta de unidade de pensamento entre os participantes da Confederação, o que dificultou na organização de uma resposta aos ataques do Império.

-Existiam projetos divergentes dentro do movimento. Enquanto alguns falavam em república, outros preferiam um arranjo federalista, mas que mantivesse as províncias na Monarquia. Questões como o fim da escravidão e a participação de portugueses na revolta também geravam divisão. E essas divergências internas fragilizam a capacidade da Confederação de resistir a repressão que vem do Rio de Janeiro e dos opositores locais- comenta Lucas.

No Ceará, o governo de Tristão Gonçalves foi destituído pelo Império ainda em 1824 e os principais líderes do movimento condenados à morte por traição à pátria.

Apesar disso, os indígenas cearenses não sofreram nenhuma represália, já que o Império os enxergava como importantes aliados militares. João Paulo Peixoto explica que, mesmo sem fazer uso de armas de fogos, as tribos tinham um poder de força relevante na região.

-Os indígenas eram menos dispendiosos, mas bastante efetivos e obstinados. Além disso, pelo menos no Ceará, a população indígena era considerável, sendo igualmente importante seu poderio bélico. Outro dado importante era o posicionamento geográfico de suas povoações: Vila Viçosa (a maior delas) tinha uma tradição de atuação no Piauí; Almofala guarnecia o litoral e ainda servia eventualmente como prisão, e todas as outras eram próximas a Fortaleza, como Soure, Arronches e Messejana- conta o pesquisador.


Indígenas após derrota do movimento


Os grupos nativos da província voltaram a manter proximidade com a Coroa e chegaram a participar da captura de alguns líderes da Confederação. João Gomes do Rego, conhecido como Cazumbá, por exemplo, foi preso enquanto tentava fugir do país por uma tropa indígena.

O historiador João Paulo Peixoto ainda destaca que, após os eventos da Confederação, o governo voltou a ser colocado no imaginário popular do Ceará como protetor dos indígenas, em teórica oposição as elites liberais de Fortaleza. O professor conta que, com isso, a província foi tomada por uma onda de violência contra os mais ricos, que dão a dimensão do caráter bélico que norteou a relação entre as tribos e a aristocracia cearense nos anos seguintes.

-Em vila da Granjá, por exemplo, a tropa indígena de Viçosa promoveu saques e violências contra membros de “famílias importantes”. O que vem à tona nesses relatos de maneira muito forte são as características raciais e sociais da violência política popular. Ou seja, longe de se tratar de fúria desordenada, as ações do povo, especialmente dos indígenas, dirigiam-se contra os seus antigos e verdadeiros inimigos: a elite branca e proprietária, que os oprimia pela cor, usurpava suas terras e os submetia a condições degradantes de trabalho- pontua Peixoto.

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