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Atos nazistas crescem no país, apesar da rigidez da lei

labjornalismo7h

Atualizado: 23 de jun. de 2022

Por Paulo Almeida Pontes de Araujo.


Embora a legislação brasileira esteja mais rígida em casos de intolerância, os atos nazistas crescem no país. Vice-Presidente da Confederação Israelita do Brasil (CONIB), o advogado Ary Bergher diz que tem contato com diversas situações inaceitáveis em uma democracia, como a distribuição, por um grupo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, de panfletos com dizeres antissemitas e a divulgação, por um indivíduo, de vídeos no Youtube que negam a existência do holocausto. “Fora isso, houve a pichação de suásticas em muros e a manutenção de um depósito de medalhas e fardas nazistas por uma pessoa que fez, inclusive, uma carteira da SS com uma foto dele e o seu nome”, complementa.


Segundo uma pesquisa realizada pela antropóloga Adriana Dias, os grupos neonazistas cresceram 270% entre janeiro de 2019 e maio de 2021 no Brasil. Embora pareça uma realidade distante do país, o antissemitismo e a eugenia (concepção de uma “raça superior”) aumentaram significativamente nos últimos anos. Em 2021, o total de denúncias de atividades neonazistas na internet subiram 60,7% em relação ao ano anterior, aponta o levantamento feito pela Safernet, organização não-governamental responsável pela verificação de violações aos direitos humanos no ambiente digital. Entretanto, o preconceito aos judeus sempre existiu e um caso que comprova essa afirmação é o de Siegfried Ellwanger, um editor nazista responsável pela publicação de livros que negavam o holocausto. No Arquivo Nacional, há diversos documentos que relatam as práticas discriminatórias do escritor.

Ellwanger pertencia à Escola Revisionista Histórica, que contesta a veracidade de fatos históricos. Através de sua editora, chamada Revisão, ele divulgava conteúdos declarando que o Holocausto foi um mito criado pelos próprios judeus e que o número de mortes relacionados ao regime nazista, cerca de 6 milhões de pessoas, seria muito acima do razoável.

Segundo o ACE 77484, datado do dia 20 de junho de 1994, Ellwanger foi o “principal responsável pelo recrudescimento (intensificação) da propaganda nazista no Brasil, através da venda de livros, revistas e fitas”. Ainda conforme relatado neste documento, a venda das obras causaram diversos episódios político-jurídicos. Dentre eles, destacam-se dois: a Câmara de Vereadores de Porto Alegre /RS considerou o editor nazista como uma "persona non grata" e a Câmara Rio-grandense do Livro expulsou Ellwanger do seu quadro de sócios, impedindo-o de expor suas obras na Feira do Livro/RS.

Em 1989, na bienal do livro, no RioCentro, houve manifestações da comunidade judaica, inclusive com a participação do sobrevivente do Holocausto, Aleksander Henryk Laks, bradando contra a venda de livros da editora de Ellwanger.


Aleksander Henryk Laks na Bienal do Livro, na cidade do Rio de Janeiro, em 1989, durante manifestação de repúdio aos livros da Ed. Revisão

Segundo o jornal “Nunca Mais”, no período janeiro a abril de 1992, todos os exemplares publicados pela Editora Revisão foram confiscados. Entre os títulos, encontraram-se “Os Protocolos de Sião” e “Judeu Internacional”, de Henri Ford, além de livros que que negavam o Holocausto. A ordem de apreensão foi autorizada pela Juíza Laís Barbosa, da 8ª Vara Criminal, como consequência do processo movido pelo Ministério Público contra Ellwanger. Na época, o conselheiro do Movimento de Justiça e Direito Humanos, Jair Krischke, concordou com a decisão da Justiça, considerando os livros de Ellwanger antidemocráticos.

O Vice-Presidente da CONIB alerta para a gravidade da relativização e negação do Holocausto através da decisão proferida pela mais alta corte do País no habeas corpus nº 82.424/RS, o caso de Ellwanger. “Foi estabelecido, principalmente, que, nas situações de discursos de ódio ou condutas discriminatórias, devem prevalecer os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica em detrimento ao da liberdade de expressão. Isso ocorre porque, no estado de direito democrático, devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos, jamais “podando” as memórias dos povos que se pretendem justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável”, afirma Ary.

No habeas corpus nº 84.424/RS, o ministro Mauricio Corrêa sustentou que as publicações dos livros antissemitas feita pela Editora Revisão de Ellwanger incentivaram a pratica da discriminação. Alem disso, o jurista declarou que o racismo não era somente o preconceito contra a raça, englobando também a discriminação a etnia, e citou que os os aspectos relacionados às características físicas para classificar o ser humano de acordo com uma raça é banida pelos estudiosos, os quais dizem não haver “base genética para aquilo que as pessoas tradicionalmente definem como raça”. Segundo ele, essa classificação se deu pela construção social e a divisão dentro dela, resultando enfim, em uma discriminação estrutural na sociedade.

Sofia Débora Levy, diretora do Instituto Memorial do Holocausto e do Memorial às Vítimas do Holocausto/RJ, diz que, como Ellwanger perdeu o habeas corpus 82.424/RS e foi condenado a quase dois anos de reclusão, o país tem avançado no combate ao nazismo e ao negacionismo. “Estamos à frente de outros países que, em nome da liberdade de expressão, permitem que livros negacionistas do Holocausto sejam publicados e disseminados. Os avanços legais da condenação de apologia ao nazismo são essenciais para o enfrentamento a grupos neonazistas. Eles são um desdobramento da Lei Caó, de 1989, que criminaliza o racismo e, em seu artigo 20°, incrimina a apologia ao nazismo e a veiculação de ideias nazistas, como as que os livros de Ellwanger davam suporte”, comenta.


. Soluções


Ary Bergher afirma que as pessoas têm menos preocupação de expor sua intolerância atualmente. O principal fator para isso é a liberdade e a velocidade de propagação da informação do espaço virtual. “Esses indivíduos encontram acolhimento em discursos autoritários por parte de líderes nacionalistas do mundo todo e em grupos nas redes sociais e internet de forma geral”, complementa.

Diante do aumento de ideologias antissemitas, surge uma dúvida: como combater a propagação desses ideais em meio à dinamicidade do mundo atual ? Existem pessoas com a crença de que a melhor forma de impedir é através da liberdade total de expressão, pois, assim, identificariam mais facilmente quem é nazista. Porém, outras acreditam que, desta forma, ocorreria o efeito oposto: mais indivíduos teriam acesso aos pensamentos preconceituosos e, portanto, maior a chance de atrair fiéis. Ou seja, o melhor jeito seria criminalizar o nazismo para impedir a disseminação.

Ary Bergher declara que é necessário um esforço conjunto de instituições privadas e públicas de diversos setores para prevenir e reprimir ideologias como as de Ellwanger. “Deve haver políticas públicas de inclusão com incentivo, cada vez maior, ao debate amplo sobre temáticas relevantes, com palestras realizadas por especialistas. Além disso, é essencial que existam a realização atividades no âmbito educacional, como o fornecimento, pelas escolas particulares e da rede pública, de uma educação abrangente sobre o Holocausto e a adoção adotadas todas as medidas cabíveis pelos operadores do direito, como a aplicação das leis já existentes que repudiam tais idéias e comportamentos, a modificação dessas leis para que se amoldem às demandas sociais atuais, e a criação de novas leis ou mecanismos”, afirma.

Sofia Débora concorda com pensamento de Ary Bergher. A Diretora do Memorial do Holocausto/RJ declara que o combate às ideias deve ser por meio dos debates e dos testemunhos de sobreviventes judeus, mostrando o máximo que puder de relatos, imagens, e objetos que comprovem. “O objetivo é mostrar que qualquer pessoa, seja judeu ou não, está sujeita a se tornar vítima de uma ideologia nazista, visto que ele propõe uma hierarquização da sociedade em nome de uma raça. Portanto, quem acredita que o nazismo é somente uma oposição aos judeus está enganado”, finaliza.





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