Por Paulo Almeida Pontes de Araujo.
Embora a legislação brasileira esteja mais rígida em casos de intolerância, os atos nazistas crescem no país. Vice-Presidente da Confederação Israelita do Brasil (CONIB), o advogado Ary Bergher diz que tem contato com diversas situações inaceitáveis em uma democracia, como a distribuição, por um grupo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, de panfletos com dizeres antissemitas e a divulgação, por um indivíduo, de vídeos no Youtube que negam a existência do holocausto. “Fora isso, houve a pichação de suásticas em muros e a manutenção de um depósito de medalhas e fardas nazistas por uma pessoa que fez, inclusive, uma carteira da SS com uma foto dele e o seu nome”, complementa.
Segundo uma pesquisa realizada pela antropóloga Adriana Dias, os grupos neonazistas cresceram 270% entre janeiro de 2019 e maio de 2021 no Brasil. Embora pareça uma realidade distante do país, o antissemitismo e a eugenia (concepção de uma “raça superior”) aumentaram significativamente nos últimos anos. Em 2021, o total de denúncias de atividades neonazistas na internet subiram 60,7% em relação ao ano anterior, aponta o levantamento feito pela Safernet, organização não-governamental responsável pela verificação de violações aos direitos humanos no ambiente digital. Entretanto, o preconceito aos judeus sempre existiu e um caso que comprova essa afirmação é o de Siegfried Ellwanger, um editor nazista responsável pela publicação de livros que negavam o holocausto. No Arquivo Nacional, há diversos documentos que relatam as práticas discriminatórias do escritor.
Ellwanger pertencia à Escola Revisionista Histórica, que contesta a veracidade de fatos históricos. Através de sua editora, chamada Revisão, ele divulgava conteúdos declarando que o Holocausto foi um mito criado pelos próprios judeus e que o número de mortes relacionados ao regime nazista, cerca de 6 milhões de pessoas, seria muito acima do razoável.
Segundo o ACE 77484, datado do dia 20 de junho de 1994, Ellwanger foi o “principal responsável pelo recrudescimento (intensificação) da propaganda nazista no Brasil, através da venda de livros, revistas e fitas”. Ainda conforme relatado neste documento, a venda das obras causaram diversos episódios político-jurídicos. Dentre eles, destacam-se dois: a Câmara de Vereadores de Porto Alegre /RS considerou o editor nazista como uma "persona non grata" e a Câmara Rio-grandense do Livro expulsou Ellwanger do seu quadro de sócios, impedindo-o de expor suas obras na Feira do Livro/RS.
Em 1989, na bienal do livro, no RioCentro, houve manifestações da comunidade judaica, inclusive com a participação do sobrevivente do Holocausto, Aleksander Henryk Laks, bradando contra a venda de livros da editora de Ellwanger.
Segundo o jornal “Nunca Mais”, no período janeiro a abril de 1992, todos os exemplares publicados pela Editora Revisão foram confiscados. Entre os títulos, encontraram-se “Os Protocolos de Sião” e “Judeu Internacional”, de Henri Ford, além de livros que que negavam o Holocausto. A ordem de apreensão foi autorizada pela Juíza Laís Barbosa, da 8ª Vara Criminal, como consequência do processo movido pelo Ministério Público contra Ellwanger. Na época, o conselheiro do Movimento de Justiça e Direito Humanos, Jair Krischke, concordou com a decisão da Justiça, considerando os livros de Ellwanger antidemocráticos.
O Vice-Presidente da CONIB alerta para a gravidade da relativização e negação do Holocausto através da decisão proferida pela mais alta corte do País no habeas corpus nº 82.424/RS, o caso de Ellwanger. “Foi estabelecido, principalmente, que, nas situações de discursos de ódio ou condutas discriminatórias, devem prevalecer os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica em detrimento ao da liberdade de expressão. Isso ocorre porque, no estado de direito democrático, devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos, jamais “podando” as memórias dos povos que se pretendem justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável”, afirma Ary.
No habeas corpus nº 84.424/RS, o ministro Mauricio Corrêa sustentou que as publicações dos livros antissemitas feita pela Editora Revisão de Ellwanger incentivaram a pratica da discriminação. Alem disso, o jurista declarou que o racismo não era somente o preconceito contra a raça, englobando também a discriminação a etnia, e citou que os os aspectos relacionados às características físicas para classificar o ser humano de acordo com uma raça é banida pelos estudiosos, os quais dizem não haver “base genética para aquilo que as pessoas tradicionalmente definem como raça”. Segundo ele, essa classificação se deu pela construção social e a divisão dentro dela, resultando enfim, em uma discriminação estrutural na sociedade.
Sofia Débora Levy, diretora do Instituto Memorial do Holocausto e do Memorial às Vítimas do Holocausto/RJ, diz que, como Ellwanger perdeu o habeas corpus 82.424/RS e foi condenado a quase dois anos de reclusão, o país tem avançado no combate ao nazismo e ao negacionismo. “Estamos à frente de outros países que, em nome da liberdade de expressão, permitem que livros negacionistas do Holocausto sejam publicados e disseminados. Os avanços legais da condenação de apologia ao nazismo são essenciais para o enfrentamento a grupos neonazistas. Eles são um desdobramento da Lei Caó, de 1989, que criminaliza o racismo e, em seu artigo 20°, incrimina a apologia ao nazismo e a veiculação de ideias nazistas, como as que os livros de Ellwanger davam suporte”, comenta.
. Soluções
Ary Bergher afirma que as pessoas têm menos preocupação de expor sua intolerância atualmente. O principal fator para isso é a liberdade e a velocidade de propagação da informação do espaço virtual. “Esses indivíduos encontram acolhimento em discursos autoritários por parte de líderes nacionalistas do mundo todo e em grupos nas redes sociais e internet de forma geral”, complementa.
Diante do aumento de ideologias antissemitas, surge uma dúvida: como combater a propagação desses ideais em meio à dinamicidade do mundo atual ? Existem pessoas com a crença de que a melhor forma de impedir é através da liberdade total de expressão, pois, assim, identificariam mais facilmente quem é nazista. Porém, outras acreditam que, desta forma, ocorreria o efeito oposto: mais indivíduos teriam acesso aos pensamentos preconceituosos e, portanto, maior a chance de atrair fiéis. Ou seja, o melhor jeito seria criminalizar o nazismo para impedir a disseminação.
Ary Bergher declara que é necessário um esforço conjunto de instituições privadas e públicas de diversos setores para prevenir e reprimir ideologias como as de Ellwanger. “Deve haver políticas públicas de inclusão com incentivo, cada vez maior, ao debate amplo sobre temáticas relevantes, com palestras realizadas por especialistas. Além disso, é essencial que existam a realização atividades no âmbito educacional, como o fornecimento, pelas escolas particulares e da rede pública, de uma educação abrangente sobre o Holocausto e a adoção adotadas todas as medidas cabíveis pelos operadores do direito, como a aplicação das leis já existentes que repudiam tais idéias e comportamentos, a modificação dessas leis para que se amoldem às demandas sociais atuais, e a criação de novas leis ou mecanismos”, afirma.
Sofia Débora concorda com pensamento de Ary Bergher. A Diretora do Memorial do Holocausto/RJ declara que o combate às ideias deve ser por meio dos debates e dos testemunhos de sobreviventes judeus, mostrando o máximo que puder de relatos, imagens, e objetos que comprovem. “O objetivo é mostrar que qualquer pessoa, seja judeu ou não, está sujeita a se tornar vítima de uma ideologia nazista, visto que ele propõe uma hierarquização da sociedade em nome de uma raça. Portanto, quem acredita que o nazismo é somente uma oposição aos judeus está enganado”, finaliza.
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